Wednesday, April 18, 2007

A Menina do Dedo Podre.

Capítulo 02
Pantufas


Depois de quase uma hora presa no trânsito infernal, enfim, chegou em casa. Morava, na Rua Paissandú, num apartamento antigo que tinha herdado de uma tia-avó, há dois anos. Antes disso, dividia um apartamento de dois “quartos” no Catete com Guilherme, onde um quarto era úmido que nem um porão e com vista exclusiva pro apartamento de um coroa naturista, e o outro parecia mais uma despensa, de tão apertado.

Desceu na praia do Flamengo e foi andando até seu prédio. A portaria antiga feita de mármore dava uma idéia de como devia ser o bairro há 40 anos atrás, hoje em dia sufocado por carros e buzinas. Entrou no prédio e cumprimentou o porteiro carrancudo.

- Boa noite Seu Candido.

- Boa noite, - respondeu seco o implacável porteiro. Ele trabalhava no prédio praticamente desde quando ele foi construído, e justamente a sua atitude que ele chamava de “profissionalismo”, o manteve tanto tempo ali. Ele não se importava com a vida alheia, mas sim em fazer bem o trabalho para que foi contratado.

Carolina correu para alcançar o elevador que acabara de fechar a porta. Entrou apressada e deu “boa noite” à velhinha que estava ali dentro. Era uma senhora que parecia beirar os oitenta anos, e morava no apartamento embaixo do dela. Tinha um ar meio excêntrico, sempre maquiada e com seu poodle toy debaixo do braço.

O silêncio dominava o ambiente, e a velhinha tinha o olhar implacável e concentrado na porta do elevador. Carol, distraída, ficou reparando na velhinha, na sombra azul carregada, no seu batom vermelho sangue, no perfume que mais parecia um misto de naftalina com Yves Saint-Laurent. O elevador parou no sétimo andar, e Carol foi acordada por um boa-noite praticamente inaudível, vindo da boca daquela senhora.

- Boa noite. – respondeu ela, mas a porta do elevador já tinha batido e agora subia para o oitavo andar.

Pegou a chave dentro da bolsa, e andou pelo corredor, rumo ao apartamento 803. Destrancou a porta, e com um suspiro acendeu a luz. Olhou bem o apartamento vazio ao seu redor e trancou novamente a porta.

Antes de entrar no apartamento, tirou o sapato, abriu a bolsa e tirou a sua pantufa nova de dentro. Calçou-a. Em seu quarto, jogou a bolsa e sua roupa de qualquer maneira em cima da cama, e foi tomar um banho. Vestiu seu pijama e um robe estampado de ideogramas japoneses, e se sentou no sofá da sala pra ver televisão. Estava na hora da novela das sete.

No intervalo comercial, entediada, e depois de ter comido meio pote de sorvete, Carolina virou a cara, e bateu o olho na sua pantufa velha e esfarrapada que jazia ao lado da soleira da porta. Então, com o pote de sorvete equilibrado em cima da barriga, ela lembrou da previsão praticamente mediúnica que Guilherme tinha feito mais cedo. Ela se apavorou. Tinha se tornado a própria velha frígida que morava no andar de baixo. Só faltava um cachorro debaixo do braço e uma maquiagem exagerada!

Desesperada, ela passou por cima da preguiça e da falta de disposição pra sair e ligou para Guilherme.

- Me pegue às nove.

A Menina do Dedo Podre.

Capítulo 01
Sexta-Feira a Noite


Eram cinco horas da tarde. O sol queimava impiedosamente as pessoas lá fora, e apesar de ter chovido de manhã, aparentemente ia ser uma noite clara. Tão conveniente para sexta-feira a noite! Carolina olhava as pessoas da janela, tão apressadas, correndo, ou tentando correr, o que deixava o trânsito ainda mais caótico. Fez uma cara de desdém e deu as costas para a rua. Deu uma bebericada no café que estava segurando e voltou para a sua mesa. Sentou-se calma e relaxadamente, apoiando as costas no encosto da cadeira e fechando os olhos. Quando preparava-se para tomar mais um gole do café, seu celular tocou. Desajeitadamente, Carolina colocou a xícara em cima de uns papéis que estavam em cima da mesa, e tentou tirar o celular do bolso do jeans.

- Merda, porque eles fazem esses bolsos tão apertados?

Conseguiu enfim tirar o celular do bolso, sem ficar com a mão entalada e precisar passar vaselina nela. Levou o celular ao ouvido sem sequer olhar o identificador de chamadas.

- Alô?
- Caralho, Carol! Por que demorou tanto pra atender esse telefone? Tava trepando no horário de expediente? - disse a voz do outro lado da linha, irrompendo em risadas.
- Guilherme
?
- Não, sua mãe. - Carol ficou em silêncio - Claro que sou eu, mulher! Queria saber quais são seus planos pra hoje a noite.
- Eu estava pensando em pegar um filme, abrir um vinhozinho, e...
- Vai ter alguém com você? - disse Guilherme interrompendo bruscamente a fala da outra.
- Não, mas eu to louca pra...
- Ah! Significa então que você vai calçar suas pantufas, colocar um roupão por cima do pijama, assistir novela e brincar de velha frígida.
Carolina olhou pra sua mesa, onde estava a sacola da loja onde tinha acabado de comprar pantufas novinhas. O rapaz prosseguiu.
- Eu tenho uma idéia muito melhor, e que condiz muito mais com uma pessoa da sua idade numa sexta-feira a noite.
- E qual é?
- Vamos a um coquetel na loja nova da Taeko Kiz. em Ipanema. Já coloquei seu nome na lista. E eu não aceito não como resposta.
- Mas eu não...
- Ai, amiga, tenho que ir agora - disse ele, cortando novamente - Me liga quando você chegar em casa pra eu poder te pegar. Beijos!
- Gui?

Ele já tinha desligado o telefone. Carolina então se jogou contra o encosto da cadeira e fechou os olhos. Estava pensando no martírio que seria ter que sair de casa, e decidiu não ir. Depois encontrava uma desculpa boa pra dar ao seu amigo.

Abriu os olhos, pegou a xícara de café e deu uma golada. Quando olhou para a mesa, viu que tinha manchado os papéis que tinha deixado ali, com o fundo da xícara de café.

- Merda!

Ainda com a xícara de café na mão, tirou um lenço de papel da bolsa, molhou a ponta dele com uma lambida. Colocou a xícara de café na beirada da mesa, longe dos papéis, e começou a esfregar aquela mancha redonda em cima do seu artigo. Esfregou suavemente, mas vendo que a mancha não saia, esfregou com mais raiva do que vigor, fazendo a mesa balançar, até que sua xícara caiu em cima da sua perna.

- Merda! – gritou, estressada. Pegou sua bolsa do chão e levantou com pressa.

- Pra mim chega por hoje. Estou indo pra casa!

Sunday, April 01, 2007

Pôr-do-Sol


Eu estava ali, sentado. Um dia tão bonito tinha terminado, e o sol se pondo me fez lembrar das coisas que eu nunca tinha reparado ou dado qualquer valor. O vento refrescante que bagunçava meu cabelo se unia a mim, me fazendo companhia, como um velho amigo que há muito não via, e que agora vinha tocar minha pele com seus braços.

Sorri. Dava pra ver a cidade inteira, que fervia lá embaixo com pessoas sempre tão ocupadas a ponto de não notar a beleza que os cerca. Dali de cima é que consegui perceber como são tão pequenos e insignificantes."Tolos", pensei eu, e sorri novamente.

Fechei os olhos. E me ocupei em sentir e ouvir o silencioso mundo que me cercava. Tudo era tão mais calmo dali de cima!

Ainda de olhos fechados abri meus braços. Era como se aquele ruidoso silêncio me envolvesse, me consumisse. E me consumindo, me completava. Às vezes o som do vento vinha quebrar aquele envolvente feitiço silencioso, me fazendo abrir os olhos para contemplar o majestoso pôr-do-sol e me inebriar no calor de seus raios que vinham acariciar minha face.

Juntei as mãos ao peito. Um desejo crescia dentro de mim. Ansiava por tornar-me Um com todas as figuras que me acompanhavam agora. O Vento... O Sol... E aquele ruidoso Silêncio.
O Sol dava seu ultimo suspiro no horizonte, e agora parecia me chamar.

Abri meus braços, e pude sentir todas aquelas coisas me abraçando.
Pulei.

Então sorri novamente.