Wednesday, July 18, 2007

Solos em Copa

Concertos na cidade.
Solo I - Piano

Uma chuvinha fina caía lá fora, e seus olhos concentrados miravam aquela constante dança das gotas de água no vidro do ônibus. Antônia suspirou, um suspiro pesado e cansado, se encostou contra o banco do ônibus. Não pensava em nada, não pensava em ninguém, somente em chegar no seu apartamento e poder tomar um belo banho.

O ônibus passava por Botafogo, quando parou e uma senhora aparentando ter mais de 70 anos entrou e ocupou o unico assento vago dentro do ônibus - ao lado de Antônia, que por sua vez olhou com indiferença a senhora que tentava acomodar a bolsa enorme, que obviamente estava mais cheia do que deveria, no colo. A senhora roçou de leve a sua pele enrugada no braço da jovem que estava ao seu lado, enquanto tentava se acomodar no apertado banco de ônibus. Antônia sentiu um calafrio percorrendo a espinha. Ela tinha horror a desconhecidos que a encostassem na rua. Discretamente, levou a mão ao braço, bem no lugar onde aquela velha tinha encostado, e passou de leve, fazendo um movimento como estivesse limpando. A senhora nada reparou, que tentava prestar atenção à rua, para não perder o ponto onde iria descer, esticando seu pescocinho enrugado como uma pequena tartaruga fazendo esforço para andar.

Antônia achou cômica a cena e se riu. Agora tinha sua atenção desperta pela velha, que segurava a bolsa bem apertada contra o corpo, sentada numa posição tímida, acanhada, tentando não ocupar muito espaço naquele ônibus, ao mesmo tempo que tentava não cair no corredor com as curvas feitas bruscamente em absurda velocidade por mais um daqueles motoristas de ônibus insanos cariocas.

A jovem olhou bem o rosto daquela senhora, observando as rugas que se espalhavam por seu pequeno rosto. Seu cabelo era branco com um estranho tom levemente azulado, cacheado mas com um curte ligeiramente arredondado que fazia lembrar uma camada de chantilly em cima de um sorvete. Só faltava uma cereja em cima. Antônia tentou decifrar aquela senhora. Com seu estilo ligeiramente excêntrico, maquiagem ligeiramente carregada, e o odor que ligeramente lembrava um misto de Yves Saint Laurent e Naftalina, ela supos enquanto passavam pelo túnel e chegavam a Barata Ribeiro, que a senhora fazia parte daquele clã de idosos solitários, habitantes de Copacabana, que passavam a vida em uma calma solitária, a caminhar pelas ruas do bairro com seus afazeres, que só Deus sabe.

Desperta de seus devaneios, Antônia percebeu que já estavam próximos à Siqueira Campos, onde deveria descer. Levantou-se de sua cadeira, e pediu licensa a senhora ao seu lado, para poder passar. Eis que ela ao invés de se inclinar para dar passagem, levantou-se e foi em direção a porta de trás do ônibus. Antônia seguiu-a, esperando atrás dela até o ônibus parar e poder descer. Parado, a velha calmamente tirou um guarda-chuva da bolsa e abriu-o, só para depois poder descer lentamente com suas idosas pernas, as escadas do ônibus. Antônia seguiu-a. Apesar de não ser forte a chuva que caía, ela apressou o passo para logo alcançar seu prédio e não se molhar muito, deixando assim aquela senhora para trás junto com suas impressões, histórias e teorias construidas acerca dela. Mas é assim que funcionam os centros cheios de gente - desenvolve-se um interesse momentâneo e superficial sobre pessoas que momentaneamente te cercam, e depois você é obrigado a deixar para trás e esquecer, cada um seguindo sua vida cheia de superficialidades e momentos, mas nunca sendo capaz ou permitido aprofundar-se.

Antônia pensou nisso enquanto apressada caminhava para casa, com uma pequena pasta azul claro de plástico transparente em cima da cabeça, usando para proteger-se da chuva. O porteiro do prédio que ja a tinha avistado fugindo da chuva, abriu o portão antes que ela tivesse pisado na calçada. Deu um "boa tarde" ofegante ao homem e chamou o elevador. Ela morava em um pequeno conjugado, do tamanho de um banheiro, em um daqueles prédios com trezentos apartamentos por andar em Copa.

Enquanto esperava o demorado elevador chegar, Antônia ouviu um sussurro que julgou tratar-se de um "boa tarde", e respondeu olhando pra trás e vendo aquela mesma senhora do ônibus. Sentiu o odor misto de Yves Saint Laurent e Naftalina, era ela mesmo. Silêncio mortal dentro do elevador, e Antônia apertou o 5o. andar, seguida pela senhora que apertou o 6o. O lento elevador seguia pra cima, enquanto o momento de silêncio constrangedor tornava-se peculiar. Antônia aproveitou para obsevar curiosamente a velha, com seu conjunto floral em tons claros, e a bolsa grande e preta, cheia e aberta onde reparou vários sacos plásticos, que julgou tratarem-se de remédios que ela carregava necessariamente dentro da bolsa. E aquele peculiar odor misto que antes sentia-se ligeiramente havia inundado o ambiente. A senhora mantinha-se com seus olhos azuis profundos encarando fixamente a porta do elevador, até que esta abriu-se ao 5o. andar. Antônia disse tchau. Achou ter ouvido um tchau de volta, mas a quase inaudível voz da senhora, e a apressada porta do elevador que se fechava tornaram impossível a certeza.

Chegando em casa, ela despiu-se, e guardou cuidadosamente sua roupa no armário. Abriu um vinho e encheu uma taça, enquanto sentava-se no computador. Inspirada pelo seu peculiar interesse em outro ser-humano, Antônia escreveu suas impressões em seu blog, que ninguém iria ler.

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